Saturday 10 March 2012

Ordinal: 5º

As minhas mãos são grandes demais para uma mulher e, eventualmente, também o meu coração. Procuro no frigorífico pela estática do tempo que tende a fazer parte da minha vida sempre que as palavras se tornam insuficientes para explicações menores. Não há comida porque não fui ao supermercado, porque não saí de casa e não encontrei homens com quem pudesse ir para a cama mesmo que, no fim, me dissessem que as minhas mãos, o meu coração são grandes demais e o medo do frio, de viver num armazém sem decoração, sem mobília, os afugentasse. Depois do sexo os homens não são homens; são plantas de vidro que reflectem o sol e esperam novos incêndios, que procuram no céu um silêncio, uma constelação onde o despropósito faça mais sentido, onde, de novo, nos possamos abraçar sem consequências reais porque o mundo real, a realidade, para os homens, é ilusória. Remexem na roupa espalhada pelo chão e encontram uma flor que me oferecem porque o amor é um desenho infantil reencontrado, uma estúpida sensação de imortalidade que desvanece em orgasmos sucessivos.

Abro as janelas e choro. Chorar é bom, faz bem. Mas lembro-me da minha mãe que chorava enquanto o meu pai descia a escada para a cave e dizia “Nunca mais volto, não posso porque o amor precisa destas coisas. O amor não é físico nem pode ser relativo ao objecto exterior, entendes?”. A minha mãe não entendia e era por isso que chorava, mas o meu pai tinha razão enquanto morria e agora sei que o corpo, o acto, as realizações possíveis são inúteis quando calculadas segundo um coeficiente metafísico inalcançável. As putas ao menos um corpo apaixonável, mãos de puta mas, ainda assim, de mulher e um coração habitável com mobília e destroços e sem espaço para ninguém. Um gato, eventualmente. Olho-me ao espelho e o corpo parece-me gasto, prostituído. As unhas mal roídas, as pernas inchadas de sexo a desfazer-se como uma vela em chamas, os braços caídos ameaçam raízes, constituições botânicas impraticáveis nos nossos tempos, os dentes por lavar e o cabelo a cair depois do sangue, da menstruação, o sinal de deus para mais um falhanço evolutivo. Ponho um tampão e é como se o enfiasse na boca de deus, como se o calasse.

Tenho amigas casadas, com namorado, com filhos, com casas onde guardar os filhos e onde partilhar os filhos. Tenho amigas que me olham com indelicadeza por nunca ter fodido os maridos delas ou por não ter um homem que elas pudessem foder. A sinceridade com que partilham a vida, a cabeça vazia dentro dos pulmões, é suficiente para explicar a natureza humana. As crianças empilhadas em campos de trigo e pessoas que lhes arrancam os olhos para fazer colares, brincos, pérolas. Os filhos, hoje em dia, pequenos colares. Diamantes que se alimentam e crescem e um dia perdem o valor porque já não cabem no coração de ninguém.

1 comment:

groze said...

Para que conste, este texto está tão bom que é quase uma mulher nua.