As árvores
estão gastas e a minha sensibilidade para elas afogou-se. A melhor solução é
admirar a imperfeição geométrica dos caniços, das ervas daninhas mal desenhadas
por entre as fendas no alcatrão. Hoje já parece tarde para me apaixonar; o tempo
abre covas nos cemitérios, valas comuns onde se cai voluntariamente e se sorri
como a lua no fundo de um poço. As palavras são riachos e navego o enjoo
permanente do vazio: o inexacto preenchimento do vazio – este é o meu útero. Acordar
cedo e olhar sozinha os espelhos todos de uma casa onde o som, cansado, se
dissipa em paredes cheias de dedos, de alianças e gritos, orgasmos feios de
homens casados, cansados. Não queria nada e recebi no meu colo todas as
desilusões do universo. A minha ilusão é estar viva: existir por dentro uma
coisa feita de luz e fogo e universo mas, na verdade, tenho os mamilos
trincados, a barriga abraçada com ferros em chamas e não vale a pena o corpo estático
num movimento gráfico de multidões a possuir um só corpo. O centro de todos os
corpos; a impenetrabilidade do som liquefaz-se dentro dos olhos.
Quando me
disserem “este é o teu filho: o produto vago e incalculável do teu corpo pela
fracção ínfima e finita de matéria essencial de um homem qualquer. É uma
variável impossível e a equação completa-se quando a soma do concreto e do
abstracto for superior e inferior a 1 em simultâneo” mando-os foder. Peço-lhes
um saco de serapilheira onde costumavam matar os animais recém-nascidos e ponho
a cabeça lá dentro até re-aprender a chorar. A verdade é esta, também: não sei
chorar. A minha mãe morreu e chorei o suficiente, agora as lágrimas são meros
produtos de uma reacção fisiológica a que não pertenço, sequer, como variável
externa. Choro melhor a cortar cebolas que os pulsos e é este o pressuposto
teórico da minha vida. Não tenho filhos, nem braços nem lágrimas. Tenho um cesto
de verga onde levo o útero e o cabelo queimado dos homens que fazem parte de
mim sem o saberem.
Tenho os
pés encardidos e troquei as sandálias por um fígado no mercado negro.
Quiseram-me vender o coração mas não era preciso. O que me resta do coração
servirá perfeitamente para estrangular todos os que pretenderem viver dentro
dele.