Saturday 2 June 2012

Ordinal: 7º


As árvores estão gastas e a minha sensibilidade para elas afogou-se. A melhor solução é admirar a imperfeição geométrica dos caniços, das ervas daninhas mal desenhadas por entre as fendas no alcatrão. Hoje já parece tarde para me apaixonar; o tempo abre covas nos cemitérios, valas comuns onde se cai voluntariamente e se sorri como a lua no fundo de um poço. As palavras são riachos e navego o enjoo permanente do vazio: o inexacto preenchimento do vazio – este é o meu útero. Acordar cedo e olhar sozinha os espelhos todos de uma casa onde o som, cansado, se dissipa em paredes cheias de dedos, de alianças e gritos, orgasmos feios de homens casados, cansados. Não queria nada e recebi no meu colo todas as desilusões do universo. A minha ilusão é estar viva: existir por dentro uma coisa feita de luz e fogo e universo mas, na verdade, tenho os mamilos trincados, a barriga abraçada com ferros em chamas e não vale a pena o corpo estático num movimento gráfico de multidões a possuir um só corpo. O centro de todos os corpos; a impenetrabilidade do som liquefaz-se dentro dos olhos.
Quando me disserem “este é o teu filho: o produto vago e incalculável do teu corpo pela fracção ínfima e finita de matéria essencial de um homem qualquer. É uma variável impossível e a equação completa-se quando a soma do concreto e do abstracto for superior e inferior a 1 em simultâneo” mando-os foder. Peço-lhes um saco de serapilheira onde costumavam matar os animais recém-nascidos e ponho a cabeça lá dentro até re-aprender a chorar. A verdade é esta, também: não sei chorar. A minha mãe morreu e chorei o suficiente, agora as lágrimas são meros produtos de uma reacção fisiológica a que não pertenço, sequer, como variável externa. Choro melhor a cortar cebolas que os pulsos e é este o pressuposto teórico da minha vida. Não tenho filhos, nem braços nem lágrimas. Tenho um cesto de verga onde levo o útero e o cabelo queimado dos homens que fazem parte de mim sem o saberem.
Tenho os pés encardidos e troquei as sandálias por um fígado no mercado negro. Quiseram-me vender o coração mas não era preciso. O que me resta do coração servirá perfeitamente para estrangular todos os que pretenderem viver dentro dele.